SOBRE CRIANÇAS, QUADRIS, PESADELOS E LIÇÕES DE CASA

By Tiago Ferreira - 4.10.18

Mês da musicalidade negra. Ritmos e influencias culturais.
Conheci Emicida em um momento de construção, identificação e desenvolvimento. Me aceitei e me reconheci como negro, levantei a bandeira da militância, abri meus olhos e fui atrás das informações que deixei passar por anos de negligencia cultural. Obviamente que a música se tornou meu principal recurso de estudo sobre minha cultura, meu povo, minha gente. Foi nas canções de Emicida que me encontrei e encontrei todo conhecimento e força para investir a favor da minha construção afro-cultural.

Estudando um pouco do trajeto bem sucedido do cantor, encontrei uma gama de realidades que me encheram de entusiasmo e identificação. Mesmo antes de se tornar conhecido entre os jovens e de emanar influencias e colaborar para a formação de opinião dos mesmos, Emicida já trabalhava para falar pelo jovem da periferia, para falar sobre a escassez de recursos, a falta de importunidades e acima de tudo sobre a influencia do racismo na formação ou extinção dos sonhos de uma criança e/ou jovem. A pluralidade da obra de Emicida não levanta um discurso modal, mas vai até a ferida cutucar os negligenciadores em todos os seus aspectos: o negro que se negligencia calando-se mediante ao ataque do racismo e ao branco que negligencia os direitos à pessoa.

Hoje falarei sobre um trabalho bem especial do cantor e compositor - Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa.

Esse álbum é uma fonte bem importante de discurso sobre a valorização da cultura afro e uma espécie bem afrontosa de manifesto que comunica-se diretamente com todos os setores da sociedade. Emicida produziu esse trabalho trazendo referencias importantes da África. Ele foi até o continente africano para buscar a inspiração e composição necessária para o desenrolar da sua narrativa, e esse cuidado de estudo e valorização deu todo o resguardo e profundidade que já eram esperados num trabalho do artista.

A agressividade no discurso - o dedo na ferida já mencionado - possibilitou as provocações e voltou o olhar daqueles que olham as ruas com desprezo. O discurso em questão vai desde sua história de vida até as percepções que ele constatou ao decorrer da sua jornada.

Bora falar sobre algumas canções:

A canção "Mãe" conta com a participação da mãe do músico, dona Jacira, e apresenta um pouco do olhar do cantor sobre a vida difícil e sofrida vivida por ele e por sua família enquanto ainda era jovem. O destaque vai exatamente para a mãe de Emicida que é homenageada pelo cantor do inicio ao fim. A letra discorre sobre a percepção obtida pelo cantor sobre os esforços que dona Jacira tinha que realizar para manter seus filhos a salvo das armadilhas escondidas dentro da comunidade. A mãe de Emicida teve que desempenhar um papel bem importante em sua vida, e nessa canção ele reconhece todos os obstáculos transpassados por ela. Ele também fala brevemente sobre como teve que despertar para a realidade e levantar-se para guerrear ao lado da mãe.



Em "8" a narrativa volta-se quase que exclusivamente para as ruas. A sensação que temos é que Emicida discorre sobre seu tempo de pedreiro em que sentava no metrô e via o mundo acontecer. O discurso vai na ferida também e questiona bem abertamente a violência vivenciada pelo negro e a impossibilidade de resposta. O cantor questiona a falta de conhecimento e o desinteresse apresentando uma série de acontecimentos que passam despercebidos no cotidiano. O discurso parece ter sido voltado exatamente para pessoas - que assim como eu fiz - negligenciam sua cultura, sua identidade.



"Mufute" foi a canção que praticamente se tornou minha oração diária. A letra traz um tom bem singelo e pede o respeito e reconhecimento aos negros de todo o globo terrestre. Aqui a melodia é bem africana e traz importantes citações de outros artistas importantíssimos. A influencia da cultura afro vem para dizer que somos além da dor e do rancor. Somos resistência.



No álbum, quatro canções levam praticamente a mesma mensagem: a dor. “Casa”, “Chapa”, “Boa Esperança” e “Trabalhadores do Brasil” discorrem sobre todos os infortúnios que meu povo sofre diariamente por todo o mundo. A solidão, a negligencia, a falta de reconhecimento, a falta de oportunidades, os esteriótipos, as perseguições e tudo que dói e fere como qualquer outra pessoa branca jamais sentiu ou sentirá. "Chapa" conta a história do sumiço, do desaparecimento sem explicação conduzindo nossa mente a questionamentos importantes sobre a violência contra a pessoa negra. "Boa Esperança" traz um aviso bem importante: a luta vai continuar nem que tenhamos que encarar uma guerra. "Trabalhadores do Brasil" faz chorar e sentir raiva por falar em detalhes - usando referencias religiosas - como nós negros somos encaixados nos padrões da sociedade.






Uma canção em especial é "Mandume" que reúne diversos artistas afros para narrar a trajetória plural de luta e e dor enfrentada por cada negro desse país, desse planeta. Gênero, fé, religião, história, militância e a valorização são alguns dos temas que estão intrínsecos na letra e no visual dessa canção. "Mandume" é uma homenagem que foi realizada como um manifesto. Considero essa faixa um hino. 





Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa foi lançado em 2016. Você quer saber mais ou quer adquirir esse álbum?




Você já conhecia o trabalho do Emicida? Se identifica com alguma música em especial? Me conta aqui nos comentários! Também me conta se você tiver alguma indicação! Sou completamente feito de música independentemente do gênero! ✊✌👌

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