ANÔMALO

By Tiago Ferreira - 3.11.19

Fotografia de Olívia Vieira.
Mais uma manhã comum, nada de novo, o mesmo ar que me enche de renovo, me faz pensar sobre as palavras que tenho deixado de dizer. E tem sido a mesma rotina, caminho sozinho, sem tristeza ou alegria, sem medo, sem coragem. Viver a minha luta já tem sido algo automático, mas meus olhos ainda buscam o sol, minha pele ainda sente a intensidade da brisa e meus olhos ainda observam a vida que não vivo. A luta tem sido solitária, tem sido travada, tem sido amarga, sem qualquer previsão de término. Os passos que tenho dado não possuem qualquer relação com o tempo, não tem pressa, não tem mansidão, não tem arrependimentos, não tem ansiedade, são só passos dados em direção daquilo que já nem vejo mais.

Quem tem coragem de perguntar se tudo está bem? Ninguém consegue ver tudo, nem mesmo eu que ando calado sei de tudo que tenho visto no silêncio da pressão que o cotidiano causa na estrada que tenho trilhado. Me refiz bem, me refiz inteiro, me refiz calado, me refiz observação, me dei o direito de não responder sobre o tudo que não detenho. Está bem ser aquele que sorri para o cantar dos pássaros, que prefere permanecer fora do alcance do ódio, que aceitou sua condição de figuração. Enquanto o coração bate para pulsar a força de que preciso para o agora, tudo que ainda desconheço segue intacto para o olhar que alcançarei na vontade do tempo. Descontente vejo a agitação que ignorei, assim como escuto ecoar insistentemente as perguntas que não fui capaz de responder.

Comecei o dia em paz, tranquilo, sem grandes considerações para apresentar ao dia que me cerca. Não me emancipei para deixar de ser o humano que sempre sonhei. Tirei a ilusão das minhas opções de conforto, pois não tenho me sentido confortável para usar os sonhos como combustível. Voltei para o caminho que trilhei ontem para conseguir seguir apreciando os detalhes que me cabem como tudo que tenho. Não tenho tudo de mim, não tenho todo sorriso para todo mundo que sorri para mim, não tenho respostas para todas as perguntas que me alcançam e não tenho todas as palavras para conseguir transcrever toda poesia que sinto viver em mim. Ainda sigo pela luz do sol, me fazendo flor, me fazendo preto, me dando tempo, calado, desconfiado. Eu sou tudo para o amor que tenho cultivado, mas sou nada para o novo dia que escolhi viver no automático.

"Deus, por que a vida é tão amarga
Na terra que é casa da cana de açúcar?"
Emicida

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