DO AUTOR | PASSAREIO

By Tiago Ferreira - 17.1.20

Ao decorrer de todo o tempo de vida do Limoções já publiquei inúmeros posts que explicitam minha visão e metodologia de criação. Já falei das minhas fases como escritor, já me assumi como escritor e já elenquei todos os principais trabalhos fotográficos apresentados por meio desta plataforma. Tive a chance de montar um post contendo um compendio de escritos e outros trabalhos que falam sobre a minha identidade, sobre a minha formação como ser humano, artista e cidadão. Como o saudosista que sou, apresentei reviews de publicações antigas do Limoções, assim como já utilizei trabalhos expostos aqui como fonte de inspiração para novas possibilidades. Enfim, já tive a chance de conversar muito com o público desta plataforma.


Hoje, depois de colher os frutos da poesia, vou dissertar um pouco sobre o projeto "Passareio", enfatizando minha visão como criador, como o poeta, em cenas específicas. Não quero e nem posso "justificar" esse projeto e nem pretendo explicá-lo. Vou fazer como tenho feito em todos esses anos: te convidar para bater um papo sobre a poesia. Borá?

O amor é um sentimento completamente poderoso, tanto que não é possível resumi-lo, generalizá-lo ou simplesmente criar uma definição universal para sua existência. Seu poder é único sobre cada um de nós, quase nunca será unânime, será recíproco ou de fácil interpretação. O amor tem influência forte diante de quem o porta e é capaz de curar, de afrontar, de assegurar, de perdoar, de reconstruir, de empoderar e de tornar coisas jamais imaginadas reais.


Eu diria que o amor abre o audiovisual "Passareio" em suas duas cenas iniciais. Não é fácil resumir aquelas cenas na palavra "amor" quando se busca as simbologias apropriadas para a sua construção, mas as intenções por trás delas trabalham diferentemente as perspectivas desse sentimento tão poderoso. E para que tudo começasse a ganhar forma, Laíza de Lima abre o trabalho com um olhar reflexivo, com um ambiente com pouca iluminação, com uma taça de vinho nas mãos e um poder que simplesmente paira pelo ar. Nesse momento é possível definir a materialização da proposta que concebeu a poética explicitada nos poucos minutos em que Laíza enche a tela. Como seria possível interpretar uma cena em que vemos uma mulher vestida de si, segura de si, com um olhar cheio de si e transbordando um amor especial, um amor de si para o que se vê diante do espelho?

Na sequência, Tiago Ferreira (rapaz que vos fala), segue para a segunda cena em tons similares de iluminação, utilizando a mesma trilha sonora e com um cenário vislumbrante - rico em detalhes. O amor altera sua possibilidade de interpretação e veste o romantismo ofertado pela poesia, pela arte. A cena foi toda construída num silêncio, numa inquietação, numa preocupação constante e numa ansiedade que se torna quase que palpável por decorrência da trilha sonora. Ali não se vê rosto, não se vê expressão facial e nem se ouve a voz, mas fica nítido que a poesia constituiu, mesmo que nas entrelinhas, uma das maiores possibilidades do amor: a dor.


A vida nem sempre amanheceu colorida, amanheceu definida, amanheceu clara e feliz. Nem todos os dias da minha existência possuíram significados felizes ou tristes, foram trágicos ou cômicos e eu jamais tive a chance de me sentir na condição de desistente. Tive que escalar grandes montanhas para conseguir enxergar além de todos os obstáculos que conheci, já tive que transpor inúmeras barreiras e já tive que contornar muitos abismos para chegar do outro lado. Abismos nem sempre foram capazes de me deter e eu tive que aprender a voar em muitas situações. O cansaço já foi capaz de pausar meus passos e as dúvidas foram vitoriosas em muitas ocasiões. É, a vida nem sempre amanheceu com um sabor doce ou amargo, assim como não nascemos sabendo voar, conhecendo a força que temos.

A "cena da pedra", chamada carinhosamente assim, apresenta uma composição que me enche de arrepios toda vez que a vejo. Tiago Ferreira inicia sua atuação escalando uma pedra. Um céu branco, opaco, sem definição e sem vitalidade contorna as silhuetas das pedras que foram geniosamente enquadradas pela câmera de Olívia Vieira. Nesse momento em especifico, a poesia não se define. Do início ao fim, a interpretação fica subjetiva, fica singular e ganha valores indescritíveis. Se eu fosse utilizar uma única frase para conduzir um olhar por tudo que é dito nesse momento, eu diria que "o cansaço e o silêncio também podem germinar como sementes de bons frutos".


Depois de um certo tempo de caminhada concluí que o buscar e o perder sempre caminham juntos. Sempre que passamos tempo buscando assumimos a responsabilidade pela perda. Sempre procuramos por algo ou por alguém. A busca pode ser espontânea, engendrada, consciente ou necessária, mas sempre perdemos ao decorrer das investidas. Andamos sozinhos nesse processo, aprendemos sobre o mundo, sobre o outro e principalmente sobre nós. Agora é possível assumir que o buscar não pode ser encarado como algo negativo e tudo que se perde nesse processo não é necessariamente relevante. Temos, como seres de constante evolução, a chance de nos desvencilharmos daquilo que não nos agrada, daquilo que já não faz parte de nós, daquilo que não foi desejado ou simplesmente daquilo que já não possui mais sentido. A busca é necessária e, por vezes, consegui encará-la com leveza, com alegria e satisfação. Sei que parece loucura, mas já cheguei a sorrir depois de ter encontrado o que buscava e já respirei aliviado ao constatar que algumas das minhas perdas já não me doíam mais.

Portando a leveza de quem já não teme mais o buscar e a serenidade de quem já não chora mais pelo o que ficou para trás, Olívia Vieira entra em cena numa composição natural, com elementos simples e objetivos da vida. A simples caminhada da câmera pelo mato alto que culmina em uma personagem deitada, observando um céu azul de um lindo dia de sol, diz muito sobre os aprendizados de quem sempre preferiu viver cada dia de cada vez. A cena acontece de forma rápida, mas o sorriso que a encerra nos diz mais sobre a vida do que sobre as impossibilidades apresentadas como obstáculos diante dela. A cena é simples, mas é um verdadeiro antro de possibilidades. Naquele dia de sol, naquela caminhada, naquele olhar e naquele sorriso ficam evidenciadas a paz e a tranquilidade de quem ainda espera o tempo passar, a vida acontecer e o entorno mudar.


Já tivemos que nos mantermos firmes diante de todas as acusações, dúvidas, inseguranças, medos, horrores, tentações, fraquezas e pavores. Já nos vimos perdidos em grandes tempestades, em mares agitados, em dias nublados e em momentos escuros demais para se enxergar qualquer possibilidade. Já tivemos que sustentar pesos maiores do que a nossa capacidade, já tivemos que sustentar nossas verdades e conviver com o abandono de quem deveria nos prestar apoio, dar amor ou respeito. Enfim, já vivemos guerras suficientes para uma vida, mas seguimos em busca de novas vitórias convictos da nossa origem e conscientes das nossas necessidades. Seguimos no meio do caos, certos de quem somos e sabendo onde queremos chegar. Somos frutos da própria existência e nossa essência sobrevive mesmo quando tudo parece discordar da nossa perseverança.

Nada melhor para explicitar a vida de uma pessoa do que as palavras. Nem sempre são ditas e nem sempre são ouvidas, mas elas seguem fantasiando visões e contando histórias. Gabrielle Morais deu vida para uma das cenas mais importantes de "Passareio". Deitada numa pedra, sem qualquer espécie de vida ao seu redor, cercada por palavras e com um olhar poderoso, fica impossível não confirmar a proposta inicial dessa performance: a poesia também é resistência. Palavras possuem poderes que não possíveis de serem descridos, assim como a força que emana de cada de um nós é algo único e peculiar. Em tempos de insegurança, de ataque ao que se é, de incertezas e de medos temos sentido a obrigação de sustentarmos nossas causas, nossas lutas e nossa história.


Bom, essas são algumas das minhas considerações sobre "Passareio". Apesar de ter sonhado esse projeto, não o vivi sozinho. "Passareio" é um resumo de tudo que tenho para contar, de tudo que vivi e de todas as possibilidades que enxergo na poesia. Agradeço muito por ter tido a chance de torná-lo real, assim como agradeço Olívia Vieira e Gabrielle Morais por sempre acreditarem nas minhas inspirações. 

💙💚💛


E depois de pouco mais de um ano de produção, apresentamos o audiovisual "Passareio". Esse trabalho simboliza muitas coisas, resume muitas histórias e foi desenvolvido por intermédio de um encontro de almas. A poesia criou, produziu, dirigiu e hoje entrega ao público do Limoções esse projeto verdadeiramente único e especial.

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