Você é um problema da sua família. Você é um problema do seu médico. Você é um problema da sua psicóloga. Você é um problema da sociedade. Você é um problema social. Você é problema seu. De tanto que somos empurrados e/ou transferidos dentro do processo de cuidar, o cuidado em rede e compartilhado quase que deixa de existir. Tenho aprendido que a gente cria afinidade por pessoas e se vincula para existir, se proteger, se lembrar de quem é e simplesmente por admiração. Essa processo pode ser encarado como algo bonito e pode ser estimulado. Esse vínculo também pode precisar de regras e de limites, mas a gente nunca pode esquecer, pelo menos dentro do processo de cuidar, que esses limites e regras são constituídos bilateralmente.
Eu sou um paciente assistido por diferentes profissionais e, naturalmente, desenvolvi relações distintas entre eles. O fato de ser cuidado por alguém nos desperta sentimentos e faz com que outros se assentem, desapareçam ou simplesmente sejam ressignificados. O fato de você cuidar de alguém te atribui responsabilidades importantes, e elas se encaixarão dentro da área específica. Não sou médico, mas posso imaginar um profissional médico cuidando de alguém além do consultório e/ou para além daquela doença. Agora somos um profissional da psicologia lidando com uma caso em que nosso paciente tem muita intensidade e uma curta rede de apoio. Parece louco, mas também existe acompanhamento para além da 1h de sessão. Nos dois casos, a gente pode visualizar cuidados para além das consultas. E vamos definir algo importante: quem precisa de cuidado jamais deve se desculpar por isso.
Exceder os limites, cobrar além do que foi acordado, pressionar o profissional, colocar demandas demais, exigir atendimento fora de hora, pedir algo que não é pertinente e por aí vai. Tudo pode acontecer em qualquer profissão. Por isso a gente estabelece o diálogo seguro. Essa conversa deve levar em consideração todo o contexto e história que sei a respeito da pessoa que está no centro do cuidado. Aqui eu posso me incluir, pois sou profissional da saúde e já lidei com demandas demais, porém precisei analisar o caso, a situação e a própria demanda. O processo do curar não é linear, então ele vai variar de intensidade, ainda mais se pensarmos em alguém psicologicamente doente. Estou preparado para isso? Isso está no contrato que estabelecemos? O diálogo vai depender da área do cuidar. Nos processos da Enfermagem como ciência, a gente costuma olhar diferente para aquele que demanda mais atenção - isso na prática se chama equidade. O modo, o quando e a análise de todas as possibilidades de deixar claro sem doer, sem afastar, sem interromper processos terapêuticos e sem culpabilizar quem necessita de atenção. A gente pondera muito como profissionais da saúde, pois existem outros pacientes, muitos de nós são pais e mães, alguns de possuem mais de um emprego e por aí vai. Na minha profissão, além de oferecer cuidados específicos de enfermagem, também me cabe a escuta ativa e de qualidade. Posso atender toda a demanda? Infelizmente, não. Mas nunca virei as costas para um paciente ou o responsabilizei por estar doente.
Hoje estabeleço o cuidado como algo colaborativo. Estabeleço o cuidado com responsabilidades e papéis definidos. Estabeleço o cuidado com regras e limites. Ser profissional é recordar que quem está doente é justamente a pessoa a qual você precisa estabelecer vínculo saudável.
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