A PSICOLOGIA DA ESTRUTURA

By Tiago Ferreira - 6.10.23

E mesmo que a terapia seja instrumento terapêutico válido para brancos e pretos, qual seu papel dentro das relações de poder, dentro daquilo que estrutura uma sociedade racista? Os processos dinâmicos da estruturação do racismo sabem de antemão como ceifar as potencialidades de luta, de reação e de respostas. Afinal de contas, estando o racismo relacionado ao poder, vence quem tem mais, quem articular melhor e quem tem recursos necessários para pisotear um alguém que contestou a dominação. A psicologia, por natureza, é uma ciência colonial, portanto tem seus meandros a serem trabalhados, questionados e apontados. Para tanto, Nobles (2009) em citação retirada de "Relações de Gênero e Escutas Clínicas" no capítulo "Vozes Negras Femininas: Ecoam Poéticas e Aquilombamentos Subjetivos" na página 123 diz que

"destacar as limitações da psicologia, uma ciência colonial, em analisar efeitos que este mesmo sistema cria no sujeito negro, e principalmente propor uma compreensão psicológica a partir dos termos dos/as próprios/as africanos na diáspora, na busca de enxergá-los/as para além dos desajustes de uma vida em uma sociedade racista (NOBLES, 2009, P 283)."

Se o sujeito está para além dos desajustes de uma vida em uma sociedade racista, onde permanece a potencialidade, a credibilidade e a voz? O problema está na análise, na leitura do contexto ou na perspectiva unilateral de quem está como ouvinte? Se a gente fala de racismo como um modelo constitutivo de articulação de poder, logo a gente é capaz de concluir que ele está presente em todes os lugares em em vários formatos. Na psicologia, assim como na enfermagem, também como na medicina, encontraremos os traços declarados e/ou velados dos cuidados baseados no racismo - podendo, inclusive, partir do inconsciente. O paciente/cliente tem que pontuar? Eu preciso dizer que isso ou aquilo é racismo ou que tal ação reforça uma potencia do racismo? Para que a gente siga trago um trecho do psicanalista José Damico retirado do livro "Relações de Gênero e Escutas Clínicas" que na p. 100 aponta

"O racismo é um princípio organizador constitutivo da modernidade/ocidental, seja na definição das racionalidades daqueles que podem viver e/ou devem morrer, seja também na definição daqueles que podem formular conhecimento legítimo e daqueles que não podem (DAMICO, 2021)."

Ainda, se não temos profissões e/ou áreas de conhecimento devidamente racializadas, corremos o risco de cair na armadilha da democracia social - contestada nesse país desde 1970. Estar na armadilha da democracia racial é evitar visualizar problemáticas pelo prisma da raça (e podemos já acrescer questões de sexualidade, orientação sexual e gênero), atribuindo, por exemplo, conceitos como meritocracia e/ou merecimento. Racializar é essencial, pois nos dá o poder de enfrentarmos determinantes e obstáculos colocados em relações de poder - foco principal do racismo. Para isso, Silvio de Almeida nos traz na página 82 de "Racismo Estrutural"

"No Brasil, a negação do racismo e a ideologia de democracia racial sustam-se pelo discurso da meritocracia. Se não há racismo, a culpa pela própria condição é das pessoas negras que, eventualmente, não fizeram tudo que estava a seu alcance. Em um país desigual como o Brasil, a meritocracia avaliza a desigualdade, a miséria e a o violência, pois dificulta a tomada de posições políticas efetivas contra a discriminação racial, especialmente por parte do poder estatal. No contexto brasileiro, o discurso da meritocracia é altamente racista, uma vez que promove a conformação ideológica dos indivíduos à desigualdade racial (ALMEIDA, 2020)."

CONTINUA

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