VIOLEI O TÚMULO

By Tiago Ferreira - 11.10.23


Quantos de mim foram sepultados para que eu criasse a ideia de que um novo eu pudesse nascer? Não costumei abrir espaço para que fosse possível somar ou até mesmo subtrair de mim características, qualidades, defeitos e até potencialidades. O trabalho julgado como o mais apropriado era colocar um fim numa versão menos favorecida para encarnar outra considerada melhor. Quem fazia essas escolhas era eu. Quem decidia o eu que vivia e o eu que morria é quem escreve aqui agora. Quem determinava os padrões de morte e os padrões de vida era eu. Assim será até o fim: exclusiva responsabilidade minha.

Quantos de mim foram em busca de respostas para questões que sequer deveriam ter sido levantadas? Não espero responder que pulei questões porque estarei criando uma grande mentira. Na certeza da resposta ou na certeza do chute, eu preenchi os gabaritos que me foram entregues. O trabalho encontrado ao decorrer do processo exigiu estudo, análise, revisão e apreensão de saber. Só devo ter errado em um momento específico, na verdade numa única vírgula: eu tinha que saber a respeito de mim. E quem fazia as escolhas era o mesmo que ponderava a respeito daquilo que entregavam como conteúdo para estudo: rejeição. A conjunção de uma figura devidamente preocupada em se manter nos olhares, na aceitação.

Quantos de mim trago de volta para a vida agora porque mereço satisfações? Eu não devo ter morrido em vão. Não quero acreditar que me sepultei inúmeras vezes porque tinha medo de como me olhariam se eu gesticulasse de maneira diferente dos demais.  Quantos de mim precisam voltar a respirar para que eu seja capaz de me desculpar? Foram muitos que enterrei sem piedade somente por terem rejeitado a ideia de serem absorvidos por valores que descordavam. Eu preciso violar inúmeros túmulos, encontrar diversos corpos. Sei que encontrarei aqueles que descansam em paz e aqueles que ainda se debatem dentro do caixão. Sei que encontrarei sepulturas dignas de reis e outros corpos deixados em valas.

Eu vivi, mas simbolicamente também já morri, também já me sepultei.

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