VELHOS ARRANJOS DESARMÔNICOS

By Tiago Ferreira - 16.10.23

A gente não sucumbiu ao que ficou colocado como pressão diária, aquele fardo que compõe a estrada e não se entregou quando tudo parecia exausto demais. Na verdade, a gente nem sequer cogitou que merecia descansar, fazendo casa para a exaustão. O cansaço também tem seu glamour. O cansaço no final do dia determina o quão guerreiros somos e o quanto estamos dispostos a perseverar para alcançarmos as metas que estipulamos. A dor nas costas, aquela dor na lombar que hoje ignoramos logo vai ganhar um nome e uma medicação específica para seus sintomas. O fone de ouvido no mais alto volume ajuda a anestesiar o cotidiano dolorido, mas sabemos o preço do cotidiano meio surdo do amanhã.

O que temos agora é aquilo que podemos ter. Ainda temos aquilo que escolhemos - pelo menos alguns de nós. E escolher vai se tornando um privilégio que muda de valores. Antes escolhíamos o mais caro, agora escolhemos o mais fácil de preparar. E mesmo que na rotina siga com o objetivo de fazer o mais fácil, o mais prático, sempre tem aquela receita de pão aleatória que ouviu alguém falar sobre. Já não interessa mais o que se atribui como conteúdo na rede social, pois os livros querem ser terminados, querem ser abertos, tocados, marcados.

O tempo fez e o faz. A gente segue não sucumbindo, mas vai desenhando aquilo que nos encaixe, como os gatos se encaixam. É para estarmos segures, em paz, em harmonia. E se a desarmonia foi local de estadia e a loucura acompanhar o envelhecer, seremos velhos arranjos desarmônicos. Tudo vai procurando lugar para estar, locais para preencher. Tudo que conhecemos segue o curso - e isso independe do nosso ritmo. Temos que ponderar a respeito de nós. Temos muito o que colocar em exposição, várias fotografias esperando legendas e outras várias despedidas precisando de um adeus. Nem tudo é sagrado. Nem tudo é importante ou relevante o suficiente para nos fazer esquecer que envelhecemos e apreendemos com o decorrer.

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