CONFUSAMENTE MORTO

By Tiago Ferreira - 6.12.16


Para mim é importante aprender a lidar com a morte e seus vários sentidos, tanto que somente esse ano já morri dezenas de vezes. Não me sinto amedrontado perante a premissa de que estou, como qualquer outra pessoa, fadado a morrer. O que de fato me deixa amedrontado é ter que lidar com a partida de pessoas que amo, tanto que nesse aspecto sou uma completa tragédia.

Esses dias decidi me matar de vez. Colocar um fim em um ciclo que é meu e em uma vida que é minha. Essa decisão para mim é uma coisa fácil de se lidar, mas quando decidi expor esse meu projeto, que tem por objetivo tentar contra a minha existência, não fui bem compreendido. Decidi colocar tudo em poesia e documentar toda a minha visão e trajetória até a execução e conclusão do meu projeto de morte.


FRAGMENTOS DE UMA CONVERSA FANTASIOSA

Não fazia muito tempo desde nosso último encontro, mas éramos tão grudados que esse pouco era o que precisávamos para sentir falta um da companhia do outro. Eu decidi marcar por ter a liberdade de escolher o dia e o horário e porque eu precisava de alguém para conversar, e o assunto dessa ocasião não era algo que eu conseguisse dizer a qualquer pessoa.

(...)

- Como está você?
- Continuo me sentindo bastante exaurido. E você, como está?
- Do mesmo jeito de sempre.
- Como seria esse mesmo jeito de sempre?
- Nada de diferente acontece em minha vida, e disso você já sabia.
- Sei que para você tudo parece meio monótono!? Mas não creio que de fato essa sua monotonia seja algo negativo. As vezes até acredito que sua vida não seja tão monótona assim.
- Você é a única pessoa do mundo que sabe e aparentemente entende como me sinto em relação a minha vida, portanto qual é a razão de você estar diminuindo isso a nada?
- Agradeço a sua real e reconforte confiança em mim, mas é com base em nossas conversas que digo que você não deveria estar tão infeliz com a sua vida.
- Mas você agora decidiu me atacar?
- Não, você entendeu errado. Estou tentando te mostrar como é a visão daqui de fora. Quero dizer, eu sou seu amigo e baseado no que você me conta tenho a facilidade de lhe entregar a tentativa de uma visão imparcial.
- Meu querido, sua vida é agitada e até parece um roteiro de novela.
- Minha vida parece um roteiro de novela ou de um filme de terror?
- Ela tem movimento.
- Ela tem sofrimento.
- Está certo. Sei que sua vida de fato está longe de ser simplesmente um roteiro de uma novela ou de um filme, mas você vive. Você chora. Você sorri.
- Você também faz tudo isso e nem precisa ter uma vida tão conturbada quanto a minha.
- Eu sei, mas por vezes desejei que a minha tivesse essa movimentação toda que a sua tem.
- Enquanto você possivelmente me assiste daí de fora e foca somente na "movimentação" que existe em minha vida, eu fico daqui de dentro tentando exaustivamente sair dela.

Naquele momento me lembro de haver um certo silêncio no ambiente. Um de nós tinha muita coisa para falar, mas o clima de repente parecia ter ficado pesado demais. Sempre evitamos tornar nossas vidas assuntos dos nossos encontros, mas ambos precisávamos colocar algumas péssimas impressões da vida para fora.

- O que você quer dizer com isso?
- Que estou almejando uma certa decisão "drástica".
- Como assim?
- Antes de prosseguir falando sobre a minha vida quero lembrar que você mudou o rumo dessa conversa, pois o assunto era justamente você.
- Tá bom. Como assim?
- Decidi me matar.
- Essa ideia de novo?
- Não reduza o que sinto a pó. Tenho a liberdade para fazer exatamente o que quiser.
- Você já se matou - se não me engano - mais de dez vezes desde que te conheci.
- E fico contente de você ter percebido. E saiba que você me ajudou a morrer numa dessas dez vezes que você contabilizou.
- Agora a culpa é minha?
- Estou falando de "agentes externos", se é que você consegue me entender.

(...)
?


Artur Cacossi

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