Aquilo que nos aprisiona também pode nos libertar. É curioso pensar que estamos propensos a recuperar algumas lembranças do caminhar para fomentar movimentos de continuidade dos passos que damos, assim como também vemos no presente a potência necessária para evitar aquilo que já passou. Hoje temos algumas respostas com algumas perguntas ainda vívidas, mas não tenho certeza que em algum momento estaremos satisfeitos com o pouco que cultivamos diante do tempo. Meandros e ressalvas parecem mais características de sobrevivência, assim como o silêncio se tornou refúgio para a estabilização de ressentimentos.
O ressentir tem potencial de crescer como uma árvore, florir, dar frutos e alimentar outros ressentimentos. E se ressentir foi ferramenta de absorção de forças e criação de coração, talvez os ressentimentos devam estar na memória, devem ser trazidos para as lembranças e devam ser usados como meios de articular aquilo que pode se apresentar como cansaço. E eu sei que cansa ter que ficar reavaliando dia após dia, mês após mês e ano após ano. Os tempos de cansaço são como deveriam ser: ingratos.
Agora, quando temos a chance de mencionar o cansaço, temos que aceitá-lo como um monstro ou como uma consequência de dias difíceis? O que torna um monstro um monstro? Talvez a crença que depositamos nele - o medo é uma crença que alimenta tantas monstruosidades. As decisões erradas que deveriam ser deixadas no passado também têm potencial de alimentar monstruosidades. Os arrependimentos também criam monstruosidades. E se eu pudesse te dizer que o cansaço nos torna monstruosos em capítulos específicos de nossas histórias, você acreditaria em mim? É como uma festa a fantasia, escolhemos uma por ano e performamos de acordo com as características da personagem. Se vestir de uma personagem é algo divertido, mas ser transformado numa personagem pode não ser.
Eu diria que tudo se apresenta diante do processo que existe para que cada um de nós exista plenamente, mas disso você já sabe. Seja cansado ou encorajado a ser você ou a sustentar a personagem, quero reafirmar que não se faz necessária a tentativa de justificar, de se desculpar, de pedir permissão, de ter que se rasgar dos papéis que podem ser avaliados como seus, como nossos. Eu já conheci tantos monstros, já fui monstros e já perdoei as minhas personagens. No final do dia, daquele dia de cansaço, não existe santidade que diga o contrário do que temos o direito de sentir.

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