VÃO LIMITAR SEU CAMINHAR

By Tiago Ferreira - 21.11.23

Já entendo como algo comum questionar minha presença em espaços, mas ainda não apreendi que outras pessoas também entendem como direito o questionar minha presença em determinados lugares. A gente percorre longos caminhos para ocupar aquilo que nos pertence, assim como percorremos trajetos longos para assimilar nossa própria consciência e memória. A maior parte do tempo estamos formulando processos sozinhes e em alguns momentos nos esforçando para trocar, para aprender com o outro, para doar e receber saberes que diferem daquilo que já temos como certezas. A vida é eu e nós, mas não existe o eu sem o nós. O que me traz para a primeira pergunta desse parágrafo: a quem pertence o direito de delimitar nosso espaço?

Se você, assim como eu, estiver recortado da sociedade por marcadores já deve saber que o poder de preencher locais não é algo exclusivo seu. Somos corpos marcados, mas não como super-heróis que merecem reconhecimento e destaque. Ao contrário da nossa luta diária por méritos próprios, temos quem decida em uma canetada, em um olhar, em uma palavra, em uma reunião ou em uma deliberação hegemônica o caminho a percorrer. Infelizmente, não podemos estar na posição de vítimas da história, pois temos o enfrentar como uma das metas das nossas vidas. Enfrentar aquilo que nos afronta, assim como afrontamos aquilo que nos limita. É um processo cotidiano ou algum evento pontual, mas vai acontecer com você, caso ainda não tenha acontecido. Hoje, depois de anos, ainda vejo meu espaço ser modificado e modulado sem meu consentimento. Aprendo a me calar, aprendo a confrontar e ainda aprendo a lidar com esse tipo de situação de acordo com a minha segurança psicológica, emocional, afetiva, além de ter que constantemente relembrar o fato de que essa delimitação é transitória. Viver nas mãos de outrem, mesmo que seja na universidade por exemplo, é algo que viola a nossa autonomia e abala nossa sanidade. Mesmo sabendo dos meus direitos e deveres, assim como entendendo meu espaço e o espaço de outrem, vai doer, arder, queimar e marcar.

Podemos seguir limitados, encarando quatro paredes num cubículo, porém nossas causas ainda significam o reconhecimento do espaço para além daquilo que tenta nos aprisionar. Tuyo cantou: "um adjetivo bom pra vida é louca". Então, depois de recortar nossa existência na sociedade, nomear nossos corpos, separar o que eles querem para nós daquilo que cultivamos como objetivo, retomamos o local no cubículo e relembramos que talvez seja válida a tratativa da dissimulação. Se não fere sua dignidade, dissimula. Se não te causa dores, dissimula. A vida é cheia de caminhos transitórios, mas tenho aprendido que eu dou meus próprios passos possuindo o poder das minhas próprias certezas.

[...]


Ninguém nasce vilão, ninguém cresce herói. Não somos ensinados na escola a moldar nossa personalidade, mas aprendemos o que não podemos fazer para sermos devidamente encaixados na sociedade. Você não pode matar, você não pode roubar, você não pode traficar, não pode responder, não pode ser rotulado como alguém ruim. Consigo listar o que não podemos ser na mesma linha porque, quando se trata da existência de determinados grupos, não existe grandes diferenças entre matar e existir, pois as duas coisas são encaradas como repugnantes e imperdoáveis declarada ou veladamente. Alguns de nós crescemos com os parâmetros sobre o ser bom construídos de forma unilateral e maliciosa: não resista, não conteste, não pense, não incomode. Ninguém nasce vestindo fantasias ou com uma coleção de máscaras. Ninguém deveria nascer predestinade a passar uma vida buscando aceitação.


Não sei ao certo em qual momento da minha vida optei por não me importar com as consequências da minha inabilidade de ser moldado por todas as projeções de pessoa boa que me cercam. Não me considero uma pessoa ruim, mas jamais pensei que pudesse ser uma boa pessoa. Nunca furtei, nunca matei e nunca trafiquei, mas hoje não consigo definir se o meu meio social me atribui méritos por isso. Estou consciente sobre meu lugar. Estou presente em tantos cenários, em tantas tramas e estou atento aos passos que dou, mas, aparentemente, não consigo definir com clareza se sou um bom homem. Faz certo tempo que não tenho a chance de nutrir e de colher os frutos dos meus melindres, mas sempre estive atento aos melindres de todos que estão ao meu redor. Devo ter deixado passar algo. Devo ter perdido o bom senso. Devo ter me equivocado sobre a definição que a própria sociedade aplica sobre a minha existência: eu preciso ser bom.


Onde estou agora? Formado e encaixado no mercado profissional. Estudando e aguardando o momento de elevar minha posição profissional. Estou consciente sobre meu papel de filho e o que preciso fazer para mantê-lo ávido nesse espetáculo que é a minha vida. Sou um tio participativo e que compreende a grandeza da existência de uma criança. Estou caracterizado como um amigo esforçado e que compreende as necessidades das vias que a reciprocidade precisa construir para ser viabilizada. Estou profissional comprometido com suas atribuições e responsabilidades, assim como estou colega de trabalho atento aos domínios desconhecidos das relações interpessoais. O que existe de errado comigo? Estou definido em meus próprios papeis. Estou articulando os papeis em que escolhi estar, então qual seria a razão de estar questionando meu próprio caminhar? [...] (IDEALIZAÇÃO ALHEIA - LIMOÇÕES | 20/08/2021)

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