ÀS MARGENS DO JARDIM

By Tiago Ferreira - 19.8.23


O sol nasceu e já ilumina a janela. O quintal está repleto de vida, está cheio de plantas, está cheio de orquídeas, tem cachorros, tem pássaros, tem um pedaço do mundo sendo cultivado naquele quintal. Não quero parecer exigente, mas essa beleza já não é mais capaz de reverberar minhas expectativas sobre as possibilidades do amanhã. Já conheço os efeitos do amanhã sobre aquele quintal, assim como já sei como as plantas se comportarão em cada estação. Minha admiração - ou meu desprezo - sobre as características contidas naquele quintal não são relevantes. A vida vai seguir com suas características próprias e conseguirá ignorar o que eu tenho a dizer sobre ela. A vida irá se mancomunar com o tempo e os dois decorrerão intimamente, serão como um só.

Suponhamos que eu estivesse cansado e a exaustão fosse chamada por um nome bonito, mas temido por uns e ignorado por outros. Suponhamos que eu estivesse deprimido e minha presença naquele quintal destoasse da proposta entregue a cada manhã pela vida, eu não seria capaz de desestabilizar aquele ecossistema, pois a seleção natural daria um jeito de exterminar a minha presença. Se o malogro que eu carrego fosse materializado e quantificado, evidenciando as minhas tratativas com as impossibilidades que a vida ignorou, naturalmente eu seria exterminado por não ser capaz de emanar esperança a cada amanhecer. Se naquele quintal eu fosse simplesmente marginalizado, fosse colocado propositalmente às margens para não contaminar aquele cenário, será que aos poucos minha imagem acabaria desaparecendo e as memórias sobre mim caíram ao chão como folhas secas?

Não tenho grandes planos para efetivar minha presença nos locais que acredito merecer estar. Sei que mereço estar onde estou - e não falo de merecer aquilo que parece acompanhar a beleza. Já aceitei que a beleza evitou minha existência, então vesti com satisfação a fantasia da monstruosidade, assim como me coube o papel de erva daninha desse jardim.


03/janeiro/2023

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