
Eu poderia simplesmente deixar que o mundo fosse devorado por monstros, mas eu ainda estaria nele. Eu poderia deixar que os vilões tomassem o protagonismo da história, mas eu ainda estaria nela. Eu poderia deixar que existisse um final infeliz, mas eu estaria nele. A história que me coloca como herói é unilateral, é escrita de forma a vetar meus pitacos de escritor, minhas considerações de protagonista, minha potencial habilidade de roteirista. A história que me escalou como herói, me deixou heroico sozinho, sem uma liga, sem justiça, sem chance de formar um clã ou um instituto de super-heróis. Não sei se estou numa história em quadrinhos ou numa superprodução de cinema, mas tenho a certeza de que cansei de acabar salvando o mundo.
Eu poderia me demitir da história, mas não sei quais são as cláusulas do contrato. Eu poderia entregar aos vilões as minhas fraquezas numa bandeja, mas não conseguiria deixar a história com vida. Eu poderia tentar ter um surto, me afastar dos estúdios, poderia ser cancelado na internet, poderia deixar a pinta de bom moço. Se por um dia eu pudesse deixar de lado meu papel de herói, iria viver como alguém que conseguiu relaxar, que teve a chance de baixar a guarda, que caminhou sem medo, que saiu sem hora pra voltar, ou que resolveu não voltar para casa. Eu dormiria todas as noites sem me preocupar com o dinheiro do vínculo empregatício e deixaria de ser sondado pelo futuro que ainda desconheço.
07/julho/2022
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