NO LIMITE

By Tiago Ferreira - 16.8.23

Antes de chegar na rede, de estar amparado por um grupo de pessoas, de ter consultado com uma série de profissionais e de ter tentado diversas medidas terapêuticas, eu trilhei caminhos solitários para conseguir compreender as consequências daquilo que ainda guardo dentro de mim. Mesmo que já tenha decorrido um tempo considerável em rede, ainda mapeio o que é meu, o que foi deixado em mim e o que preciso consertar para seguir residindo na casa que preciso ter para me sentir seguro. É uma linha tênue entre insistir em mim e cansar de tentar delimitar meu próprio espaço. Mas hoje sei que não existe remédio para a memória.

A consciência que carrego agora me faz perceber o que acontece ao meu entorno, mas a minha memória é quem empodera as minhas reações, é quem delimita as minhas vontades, é aquilo que conduz cada passo que dou. Nunca estive tão empoderado de mim, em completa sintonia com a minha própria história, conectado de maneira íntima com o mais profundo dos meus traumas, ligado de maneira entrelaçada com meus medos e anseios, preso na trama das minhas rejeições e projetado de maneira exclusiva a tudo aquilo que já conheço. Estou, de certa forma, exposto. Como um peixe, fui entrelaçado na rede, fui capturado, fui colocado em quarentena num aquário. Estou em quarentena com as minhas próprias evitações e não existe remédio para curar uma série de lembranças que foram construídas em anos de existência. 

Se minha memória empodera, não quero me desfazer daquilo que me coloca em projeção. De contrapartida, quando fecho meus olhos não enxergo aquilo que ainda está por vir. Condicionado a manejar o familiar, a conduzir aquilo que já conheço, condicionado a manipular o que já passou, não me vejo expectando o que tem por vir, o que me espera na consciência daquilo que eu deveria fortalecer como potencialidade. É um limite entre me desfazer daquilo que romantizei como meu e fortalecer aquilo de que preciso para seguir em frente. Nada jamais se comparará com o que fui ontem, jamais força alguma superará o que fui anteontem e não creio que amanhã eu esteja em pé para sustentar o que hoje é apontado como um amontoado de memórias. Estou na consciência de mim, sustentando as versões de mim que escreveram histórias com inúmeros desfechos, mas confesso que não sei qual versão de mim sou agora.

Mesmo que eu escute incessantemente que preciso parar de esperar respeito pelas memórias que carrego, que preciso transcender aos males que minhas próprias personagens me causam na atualidade, que preciso ressignificar meu sentido de casa, que preciso gerenciar meus próprios micro-conflitos, que preciso me desfazer daquilo que acreditam não me pertencer, não existe remédio para a memória. Como ressignificar aquilo que ainda vive nítido na minha memória quando fecho os olhos para pensar sobre o amanhã? Talvez eu seja feito exclusivamente de ontem, tenha que viver no anteontem. Talvez eu tenha entendido de maneira equivocada sobre o sentido de tempo e espaço, tendo escolhido permanecer no passado. A certeza que eu apresento é clara: ninguém criou um remédio para a memória. Trancafiado no aquário, já comecei a ver a quarentena como a minha nova casa, pois me cabe o limite geográfico, me cabe os parâmetros da água, me cabe os ornamentos, me cabe a solidão, me cabe a artificialidade do existir. Não me vejo mais fora do aquário, pois resido exclusivamente no limite, sendo seguro ter meus passos delimitados. 

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