DEIXADO NA PRAIA - TEXTO 1

By Tiago Ferreira - 9.8.18

Agora é possível ver algo além das mentiras. É como ver a luz depois de um longo tempo de escuridão. Agora é possível sentir algo além da raiva. É como poder viver novamente sem a acusação. Agora é possível não vestir o ódio. É como ser humano novamente. Agora é possível deixar para trás o peso das palavras filtradas, das demonstrações de amor ignoradas e é possível estar bem perante ao descaso.

Depois que fui deixado naquela praia para morrer não pude mais ver nada além da verdade. As mentiras que foram me contadas por meio de ações friamente pensadas e construídas a partir do desejo lamentável de ódio, não possuem mais qualquer valor. As omissões e negligencias sempre estiveram bem claras e a culpa de não ter visto a maldade camuflada definitivamente não foi exclusiva minha. Depois que fui deixado naquela praia para morrer passei a acreditar ainda mais na morte como sentido de vida. É bom poder ter no que acreditar mediante ao caos e é melhor ainda poder se sentir vivo por não carregar o fardo da ilusão. Depois que fui deixado naquela praia para morrer, me encontrei no que restava de mim e me vi refletido nas mentiras, então pude perceber que eu sou real.

Mesmo que eu tenha flertado com a raiva e com o rancor, fiz silencio. Naquele dia - ao por do sol - o mar me carregava para o fundo, para o escuro. Nem todos os murros e chutes poderiam ser capazes de me fazer enxergar o que não via. A natureza seguiu seu curso levando para longe meu frágil corpo e foi somente nesse momento que pude me sentir amado novamente. Os grãos de areia - que tomavam conta de envolver o meu cabelo - me faziam sentir como se pertencesse ao mundo que vivo. Nada foi capaz de superar meu prazer pela vida do que poder estar de cara com a morte. Nem a raiva e nem o rancor eram capazes de tirar de mim a esperança por qualquer que fosse a possibilidade de fazer parte da vida. O mar me envolveu em seus braços, o sol me arrancou da escuridão, a areia me fez sentir parte e a vida me deu a razão para não me entregar ao rancor. Mesmo que eu tenha flertado com a morte, ela não conseguiu me abraçar e nem mesmo suas artimanhas regiram cada um dos meus passos após ter conseguido me desvencilhar das mãos do ceifador.

Cada passo que tive que dar não é mérito exclusivo meu. Não existiam mais forças para caminhar. Não existia uma possibilidade de socorro ou de alento, mas era real a vontade de permanecer em pé. Mesmo que o meu rosto estive descaracterizado e minha alma - mais uma vez - partida em pedaços, não foi possível parar de lutar. A raiva do outro ainda perseguia a minha inocência e o rancor do outro ainda me fazia vitima. Foi lindo de ver o jovem adulto que me tornei correr em direção ao desconhecido. Com a pedra na mão, buscava sua defesa. Descalço e completamente machucado ia de encontro ao desconhecido. Aquela coragem que me norteava e me mantinha longe das mãos do acusar definitivamente não era minha. Ir tão longe significou que sempre me mantive fora do veneno que tinha contaminado os meus agressores. Tão machucado quanto o meu corpo estavam as palavras que eu não pudia dizer. O medo me roubou a possibilidade de fala. Era possível ouvir o meu silêncio ecoar do meu pedido desesperado por socorro. Não veio socorro imediato. A vida me fez forte estando fraco. Me fez sentir cada murro, cada arranhão e cada tombo. Meu físico doía menos que o meu coração. Não cheguei ao desconhecido sozinho, mas caminhei sem conseguir caminhar usando as minhas próprias pernas. Os méritos da minha força não podem ser somente meus, mas eu sei que me fiz forte.

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